Como Anne Frank escrevia
+ de 35 milhões de cópias vendidas, + de 70 idiomas, e vencedor de 3 Oscars (em adaptações).
Eu achava que estava atrasada para ler O diário de Anne Frank, mas após concluir a leitura no último final de semana, confirmei a suspeita de que os livros que precisamos nos encontram na hora certa.
Não tive que relutar com o livro. Assim que li o primeiro parágrafo imergi numa leitura fluída e interessante. Então mesmo com medo de sofrer já sabendo o final trágico que Anne teria eu persisti na leitura.
Apesar desse ser um texto sobre um livro, ele não é uma resenha, é uma carta onde vou compartilhar com você algumas lições que pude notar sobre a escrita da Anne e também algumas das minhas percepções sobre o livro.
1.
Ela tinha um vocabulário rico: (menciona em diversos trechos que sempre estava lendo um livro, daí o motivo) e aqui eu não falo de “palavras rebuscadas” mas sobre a diversidade de palavras que ela conhecia, que a possibilidade a sempre escolher a melhor para dizer exatamente o que queria dizer rotando a escrita interessante.
“O papel é mais paciente do que os homens.” Muitas vezes penso isso quando, nos meus dias melancólicos, coloco a cabeça entre as mãos e não sei o que fazer comigo.1
Como exemplo escolhi essa citação sobre o seu estado de espírito, melancólico é a perfeita definição do que ela descreve a seguir.
Ela criava imagens visuais que ilustravam como ela se sentia (aproveitando o bonde da situação acima que ela já nos traz uma imagem visual, de uma garotinha com a cabeça entre as mãos); aqui outra amostra dessa característica:
Gosto de escrever e quero aliviar o meu coração de todos os pesos.2
Imaginamos imediatamente o coração pesado se aliviando, não é?
Outra característica que eu gosto muito da escrita da Anne é a capacidade de descrever o ambiente intercalando com os seus pensamentos. Essa mistura nos ajuda a entender onde ela estava, imaginar os detalhes do lugar que ela estava e ainda a atmosfera do ambiente. É uma experiência imersiva completa.
O nosso quarto até agora estava completamente nu. Papai trouxe toda a minha coleção de postais de estrelas de cinema. Eu os transformei, com cola e pincel, em lindos quadros para as paredes. Agora o quarto tem um aspecto alegre. .3
O último recurso que notei é que personificava objetos. Eu particularmente adorei ver uma imaginação tão divertida mesmo em tempos de desespero, personifico objetos sempre por diversão, até escrevo alguns apólogos4 como vocês já puderam acompanhar por aqui. Fiquem com um trecho da “Ode a minha caneta-tinteiro”:
Quando fiz treze anos, a caneta veio comigo para o Anexo e foi a minha companheira fiel para você ou quando eu estudava. Agora que tenho catorze, chegou ao fim da sua existência.5
A forma com que Anne escrevia sobre a sua vida fez com que eu me sentisse muito próxima a ela, eu praticamente era a Kitty (nome que ela deu ao diário).
O tom de voz da sua escrita revelava uma jovem de personalidade forte, que mesmo com pouca idade não temia colocar o seu ponto de vista em tudo. Acredito também que o fato dela escrever com tanta frequência tenha colaborado para o seu amadurecimento, já que escrever é a melhor maneira de colocarmos os nossos pensamentos em ordem e sabermos o que pensamos sobre as coisas.
2.
Outro ponto do livro que chamou a minha atenção era a admiração da Anne pelo pai e que, apesar de ter uma filha bem pimentinha, o recurso que ele usava para educá-la era a gentileza.
É certo que sofri. Mas culpar o Pim (apelido que ela chamava o seu pai), que é bom, que tudo tem feito por mim e continua a fazer, foi ignorância da minha parte. Ainda bem que ele me tirou da minha torre de marfim, que o meu orgulho ficou derrotado, pois eu já estava, de novo, sendo muito presunçosa. Porque nem tudo o que faz a Anne é bom, nem de longe! Causar tanta mágoa a uma pessoa a quem se diz amar, e ainda por cima intencionalmente, é um ato baixo, muito baixo! E o que mais me envergonha é a maneira como o papai me perdoou.6
3.
Anne Frank foi uma garotinha cheia de vida, que assim como eu, mesmo em meio a dor sempre escolheu ver o copo meio cheio.
É por milagre que eu ainda não renunciei a todas as minhas esperanças, na verdade tão absurdas e irrealizáveis. Mas eu agarro-me a elas, apesar de todos e de tudo, porque tenho fé no que há de bom no homem. Não me é possível construir a vida tomando como base a morte, a miséria e a confusão. Vejo o mundo se transformar num deserto. Ouço, cada vez mais forte, a trovoada que se aproxima, essa trovoada que vai nos matar. Sinto o sofrimento de milhões de seres e, mesmo assim, quando ergo os olhos para o céu, penso que, um dia, tudo isto voltará a ser bom, que a crueldade chegará ao seu fim e que o mundo virá a conhecer de novo a ordem, a paz, a tranquilidade.7
Quando penso em sua morte me entristeço, pois, sei que o seu maior medo virou realidade, a polícia realmente descobriu o Anexo Secreto, separou a família e os levou ao campo de concentração. Me dói também quando leio suas mensagens tão belas sobre a esperança de como seria a vida dela quando a guerra acabasse; é horrível saber que pouquíssimos dias antes dos olhos dela verem uma realidade de liberdade, sua saúde não aguentou e ela morreu de tifo.
Apesar disso, acredito que todos nós nascemos com um potencial que deve ser realizado por meio do que criamos, e o dela foi cumprido. Anne, durante o período no anexo, confessa que gostaria de ser uma jornalista e autora famosa e também publicar o seu diário após a guerra (após ouvir na rádio o estímulo de um político da resistência), e graças a Miep (uma amiga da família que ajudou a escondê-los) que visitou o Anexo após os policiais saírem, o seu desejo, foi realizado. Miep foi quem encontrou o diário de Anne Frank no chão do Anexo. E assim que a guerra terminou encontrou com Otto Frank, pai de Anne e o único ex-morador do Anexo que sobreviveu a guerra, entregou o diário a ele, e depois ede muito relutar, decidiu cumprir o desejo da filha e publicar.
O Diário de Anne Frank é um dos livros mais vendidos do mundo e a força da mensagem daquela pequena (e corajosa) garotinha ecoa até hoje testemunhando a história mundial e também a dela.
O título do texto é “Como Anne Frank escrevia” mas poderia ser “Como eu li Anne Frank através da sua escrita”.
Um abraço e até a próxima trama;
Samy.
PS: Anne é o nome da minha primeira filha e significa ‘cheia de graça’, espero que a minha Anne seja tão corajosa e inspiradora (ela já é criativa e comunicativa igual) quanto Anne Frank.
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Frank, Anne. O Diário de Anne Frank (Clássicos da literatura mundial) (Portuguese Edition) (p. 7). Principis. Edição do Kindle.
Frank, Anne. O Diário de Anne Frank (p. 7(.
Frank, Anne. O Diário de Anne Frank (p. 25). Principis. Edição do Kindle.
Frank, Anne. O Diário de Anne Frank (p. 113)
Frank, Anne. O Diário de Anne Frank (p. 216)
Frank, Anne. O Diário de Anne Frank (p. 252)
Eu li O Diário quando era adolescente, mas (como esperado) não absorvi tudo que a escrita de Anne transmite, suas reflexões me despertaram para reler, agora com um novo olhar. Obrigada por compartilhar Samy! 🧡
Ainda não li O Diário de Anne Frank, mas, através da sua reflexão, consegui perceber a riqueza da escrita dela e a intensidade de sua vivência.
Obrigada por compartilhar sua percepção de maneira tão envolvente!