O que você perde quando decide ser você mesmo na internet?
Crio, logo existo. Mas às vezes me sinto meio burra.
1.
Criar conteúdo é emocionante: experimentamos da frustração ao êxtase.
Embora a regra seja que a maioria das pessoas experimente só a parte da frustração do flop1 e desista; mas as pessoas que insistem por mais um tempo, seja por teimosia, por fé ou por não ligar, começam a experimentar a alegria de ver o conteúdo crescer. O êxtase.
Seja o seu conteúdo um texto, uma arte visual, um design, um vídeo… Qualquer que tipo de produção, ela não fica “pronta” quando você publica, mas termina na mente do receptor. E eu amo essa magia da comunicação, onde nenhuma mensagem, independente da forma, é completa sozinha, mas se expande e ganha mais significado quando alguém, por alguns segundos, escolhe parar, ver e se conectar com o que você fez.
E todo mundo concorda que ganhar atenção pelo próprio trabalho é muito legal. Eu mesma, não sou a escritora mais hypada2 do momento, mas recebo muito respeito e carinho de quem me acompanha e, por isso, me sinto um pouco mais importante no mundo. Claro que isso, como tudo, não tem só o lado positivo, carrega a sua sombra. Não é raro que eu me pegue pensando se estou criando um determinado texto para agradar as pessoas que se conectam comigo e ganhar mais engajamento ou se estou criando por mim, e acredito que esse sentimento deve perseguir todo mundo que cria conteúdos que não buscam só vender, mas educar, elevar a consciência e inspirar as pessoas ao mesmo tempo.
Eu, por exemplo, gosto de compartilhar sobre o que eu estudo, e estudo o que eu gosto. Não quero ser reconhecida por falar sobre o tema do momento: brain rot3, criar imagens com IA, as filhas da Virgínia e etc. Me forçar para parar o dia e pensar sobre isso, fugiria do propósito que eu firmei quando comecei: quero estudar o que faz o meu coração vibrar, mesmo que isso me faça perder alguns likes, relevância e ascensão imediata.
Eu sei o que eu perco com isso. Cansei de ver pessoas que se importam menos com a qualidade do que fazem e só aparecem para criar o tal do conteúdo de pauta quente. Elas aumentam a base e colhem os louros que eu deixo cair no chão. E eu não tô dizendo que elas estão erradas (nem que tão certas), talvez eu seja um pouco burra e teimosa mesmo. E eu tive uma visão mais clara sobre isso depois de perceber um padrão de comportamento em mim, numa consultoria recente.
(Antes de eu contar o caso, se você chegou aqui agora, vou te dar um breve contexto: eu trabalho com comunicação digital desde 2018, hoje sou uma redatora publicitária sênior, e líder de receita - o nome faz parecer que eu faço bolinhos, mas na verdade eu eu cuido de um hub de profissionais criativos focados em criar campanhas de lançamento, perpétuo e ações de vendas - na Lumine4.)
Numa consultoria de newsletter5, e enquanto eu ensinava tudo o que a cliente precisava fazer em questões de rotina criativa, formato, otimização de SEO, revisão de texto, estratégia de temas, ela perguntava se eu fazia o mesmo por aqui e eu respondia “não faço isso n’O Fio, só na empresa (ou só com cliente x)”. E eu repeti essa resposta tantas vezes que eu comecei a me questionar o porque diabos eu sou tão rebelde. Buscando essa resposta ficou claro para mim que eu sei o que preciso fazer para ser maior em termos estatísticos, mas não quero porque não estou disposta a fazer, sabe? E aí foi inevitável não me sentir um pouco burra (ou menos esperta). Mas na cabeça essa decisão faz sentido. Afinal, eu já vendo uma parte de mim no meu trabalho e não quero vender a outra.
Achei que tinha resolvido o assunto, mas, mesmo assim esse assunto ficou latejando de forma surda no fundo da minha cabeça. Tomei um paracetamol e guardei essa inquietação por um tempo até que ela voltou a tona por causa de dois gatilhos:
O primeiro: o meu colega Chris compartilhou num grupo de mentoria um trecho do livro “Desejo”6 :
Geralmente somos fascinados por pessoas que têm uma relação diferente com o desejo, seja real ou imaginária. Quando as pessoas parecem não se importar com o que as outras desejam, ou não desejam as mesmas coisas, elas aparentam ser de outro mundo. É como se fossem menos afetadas pela mimese - antimiméticas7, até. E isso é fascinante, porque a maioria de nós não é assim.
Segundo esse trecho, a minha não estratégia, pode ser uma estratégia que me torna mais atraente exatamente por não seguir o que está todo mundo fazendo. E é bem aqui que meu cérebro buga e meu TOD8 não diagnosticado me deixa sem saber o que fazer (ser ou não ser estratégico quando o não ser estratégico é estratégico, eis a questão).
2.
Segundo gatilho: o Substack está em franco crescimento. Já virou notícia na mídia tradicional, post em Instagram de tendência de comportamento (cultura) e até as marcas comerciais começaram a chegar. Eu não sei você, mas nos últimos dias tem aparecido TANTAS notes pra mim (infelizmente, a maioria continua c$g$nd* regra: faça isso x não faça aquilo, agora tem reels aqui que saco x oba um canal de vídeos por aqui!) que eu chego a ficar zonza.
Por algum tempo eu fiz a egípcia, tentei ignorar essa explosão e a chegada dos gurus que enviam e-mail com emoji no título por aqui, mas resolvi encarar o desconforto com calma e entender o cenário que estamos vivendo (antes de falar o meu parecer, que não é uma regra, é a minha visão, eu sempre prefiro me afastar um pouco da questão e ponderar).
Você conhece a Curva da Adoção de Inovação?
3.
Acredito que vivíamos por aqui a era entre os '“visionários e os pragmáticos”. Eu cheguei no subs em 2024 e já me sentia atrasada, afinal, os entusiastas chegaram em 2020/ 2021 e já ostentavam bases enormes de leitores. Agora eu vejo que em 2024 eu ainda estava no começo (e ainda estamos).
Entendo que estamos na era dos pragmáticos, seguindo para os conservadores e agora que essa é uma rede cada vez mais validada pelo mercado, é só questão de tempo para atravessarmos essa ponte (essa semana já vi nota de gente que disse que passou da hora de levar o Substack a sério).
Além disso, outro sintoma dessa fase é o posicionamento da própria rede social, o Substack tem lançado praticamente uma mudança por semana. Agora, por exemplo, temos a aba de reels, as lives são cada vez mais comuns, e é isso, a civilização está chegando! Terá mais gente e menos espaço orgânico! Salve-se quem puder!
4.
Fui pega desprevenida?
De forma alguma. Sempre acreditei no Substack como plataforma, prova disso é que comecei o meu trabalho ano passado no Youtube apostando numa playlist sobre Substack, e lancei a aula Love Letter, sobre como criar uma newsletter com uma parte todinha focada em Substack (que inclusive está com desconto para os meus leitores use o cupom OFM, válido em abril.).
Porém, eu não aposto todas as minhas fichas numa plataforma, eu aposto tudo de mim em manter uma comunicação profunda com o público em qualquer lugar: seja por vídeo, podcast, e-mail, carta, livro, Clube… Eu acredito na nutrição dos relacionamentos. E como a minha linguagem do coração é a escrita, enquanto houver servidor de e-mail, seja onde eu estiver, continuarei compartilhando as minhas ideias, estudos, textos e até a vida, com quem quiser ler (e ouvir).
Pode ter certeza que você nunca vai abrir O Fio e se deparar com um texto frio (rimou!). Por aqui, cada palavra sempre vai ter um pedacinho de mim, do meu afeto e de como eu vejo a vida.
5.
Tá tudo mudando, e o que eu vou fazer?
”Mudaram as estações, nada mudou”.9
Bom, eu vou continuar escrevendo, sendo um pouco burra e fazendo as coisas do meu jeito, mas também vou explorar, entender e ver quais mudanças da plataforma fazem sentido pra mim e quais eu escolho abrir mão.
Quando escolhemos ser nós mesmos na internet, não tem como fugir, nós vamos “perder alguma coisa”; pode ser que os nossos passos sejam mais lentos, ou menos velozes do que o esperado, pode ser que o “lá” do chegar “lá” seja diferente de quem escolheu levar a presença digital de outro jeito. Mas acredito que no fundo (e no raso também) a vida é exatamente sobre isso, é sobre fazer escolhas e aprender a viver em paz com elas.10
6.
Listinha didática:
Ufa! Pronto!
Cheguei até o fim do texto sem saber nem o título, eu sei que vocês gostam quando eu sou mais poética ou trago referências, mas hoje eu decidi usar esse espaço para trazer os assuntos que estavam acumulados no meu peito e que precisavam sair.
Desabafei.
E você, já pensou sobre isso, tem percebido esse movimento por aqui? Me conta pra gente continuar a conversa nos comentários!
Um abraço e até a próxima trama;
Samy
flop: gíria usada quando um conteúdo, produto ou projeto não tem o alcance ou impacto esperado. É o famoso “postei e ninguém ligou”.
hypada: do inglês “hyped”, significa estar em alta, com muita expectativa ou atenção em cima. Uma pessoa ou conteúdo hypado é aquele que tá bombando no momento.
brain rot: expressão usada para descrever o excesso de consumo de conteúdo superficial, repetitivo ou vicioso (como memes, vídeos curtos, reality shows etc.) que “apodrece o cérebro”.
Produtora de filmes e maior streaming católico do Brasil
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antimiméticas: pessoas que parecem não se guiar pelo desejo dos outros. Enquanto a maioria imita comportamentos e vontades alheias (o que chamamos de mimese), os antimiméticos seguem um caminho próprio — o que os torna intrigantes e, por isso mesmo, ainda mais desejáveis.
Transtorno opositor desafiador (TOD): condição comportamental caracterizada por resistência a regras, impulsividade e tendência a desafiar figuras de autoridade. Na vida adulta, pode aparecer como uma necessidade forte de fazer tudo do seu jeito — mesmo que isso complique
citação da música: Por enquanto (lembrada por mim na voz da Cássia Eller, escrita por Renato Russo).
Minha palavra favorita no momento.
Entre saber o que se deve fazer e estar disposta a fazer tem uma grande distância, né? Você me pegou aí, Samy. Me reconheci nessa frase. É... mais uma vez, obrigada pela reflexão compartilhada.🧡
Meus textos são escritos para mim. Qualquer proveito de terceiros é acidental.