— Nossa, que calor! — resmungou 02.
— Não fala isso — sussurrou entre os dentes 19.
— Mas tá quente, caramba!
— Shiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiu! — retrucou 19, sabendo que 02 não queria ser discreto, mas explicou baixinho: — Você não pode continuar falando isso.
— Ué, por quê?
— Você sabe que, se todos ouvirem, estamos fritos!
— Eu não entendi, tá calor mesmo, não tô mentindo.
— Fica quieto! Já, já vamos chegar a um lugar mais refrigerado.
— Eu só queria me expressar, tá um cal...
02 interrompeu, já sem paciência, perdendo um pouco da compostura:
— P-A-R-A D-E R-E-C-L-A-M-A-R!
Ao terminar sua frase, aconteceu o que ele temia. 19 percebeu que os outros 18 companheiros ao seu redor já estavam prestando atenção na conversa e também começavam a notar o calor e resmungar. Então, para tentar amenizar o clima, disse a todos:
— Vocês precisam relaxar, estão ficando de cabeça quente.
— Se estou de cabeça quente agora, é por sua causa! Antes estava mesmo só com calor — retrucou 02, insolente.
As reclamações pareciam uma névoa que, aos poucos, tomava todo o ambiente. O que era silêncio agora era um zumbido constante de descontentamento. Mas, antes que 019 pudesse tentar conter os ânimos, algo os fez ficarem quietos primeiro.
Todo o local se moveu no ritmo de passos apressados, e dava para perceber que, do lado de fora, alguém caminhava com a caixa nas mãos em direção à prateleira do mercado, enquanto eles ouviam os passos de uma criança se aproximando e dizendo:
— Olha mãe! Aqui eles têm Happy Eggs! Eu quero!
Nota:
Esse texto é resultado de um exercício de Narrativas Criativas, os assinantes Exclusivos d’OFM terão acesso aos bastidores de criação e a um desafio de escrita logo abaixo (se você quiser assinar, para participar, abra essa newsletter no seu e-mail).
Esse texto é um apólogo: um tipo de narrativa curta em que objetos, animais ou elementos inanimados ganham vida e protagonizam a história. Diferente da fábula, que geralmente tem animais e uma moral explícita no final, o apólogo usa coisas do dia a dia — um lápis e uma borracha, uma xícara e uma colher, um par de sapatos — para contar histórias que revelam algo sobre a vida, as relações humanas ou até mesmo sobre a própria linguagem.
Pensa assim: é como se os objetos ao seu redor começassem a conversar e, no meio desse papo, te fizessem enxergar algo que você nunca tinha notado antes. É um jeito genial de trabalhar metáforas e dar camadas novas para o que poderia ser uma cena comum. Um ótimo exemplo é “Um apólogo” de Machado de Assis, onde uma agulha e um novelo de linha discutem sobre quem tem mais importância no processo de costura.
Um apólogo é uma maneira divertida de exercitar a criatividade, afinal, tudo ao nosso redor tem uma história pra contar — basta que apareça alguém com olhos para ver e mãos para escrever.
Como eu criei esse texto (bastidores e exercício de escrita):
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